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Falem português,
P o r r a !

Aparentemente, a língua portuguesa está,
ao invés de se expandir e de se valorizar,
a passar por um processo de secundarização, e, por vezes, de eliminação. A vários níveis, em várias instâncias, de várias formas.

Octávio dos Santos

Em Março passado comprei o DVD do filme "Exterminador Implacável 3 - Ascensão das Máquinas" ("Terminator 3 - Rise of the Machines", no original), distribuído no nosso país pela Columbia Tristar Home Entertainment. E encontrei neste DVD dois tipos de falhas. Primeiro, refere na caixa a inclusão de conteúdos que... não estão lá: não há "trailer" do filme "Bad Boys II", não há galeria fotográfica, não há (imagens da) ante-estreia... e a introdução do filme por Arnold Schwarzenegger está não no disco 2 mas sim no disco 1, mesmo antes do filme. Segunda falha, e para mim mais grave: no disco 2, o dos "extras", todo o menu, muitos dos textos e as únicas legendas disponíveis estão em... castelhano.
Pouco tempo depois, contactei a Sony Portugal (posteriormente, contactaria igualmente a DECO), e a pessoa com quem falei disse-me – além de não ter tido ainda reclamações (antes da minha) e de, também por isso, não ter conhecimento de eventuais defeitos do DVD – que as decisões na empresa quanto ao tipo de produtos distribuídos na península ibérica são tomadas... em Madrid.
Poder-se-á perguntar: mais palavras (em português) para quê? Mas a questão é precisamente essa! Aparentemente, a língua portuguesa está, ao invés de se expandir e de se valorizar, a passar por um processo de secundarização, e, por vezes, de eliminação. A vários níveis, em várias instâncias, de várias formas. E nem a religião parece valer-nos muito: não foi há muito tempo que o Vaticano deixou de considerar o português - "apenas" o segundo idioma mais falado pelos católicos! - uma "língua de trabalho". E "descendo" do "sagrado" para o "profano", verifica-se que a nossa língua perde terreno nas instruções, nas legendas e até nos lemas (slogans originais, não traduzidos, nos anúncios publicitários) de produtos e serviços de consumo corrente - veja-se como os textos na nossa língua surgem muitas vezes em itálico e/ou em caracteres mais pequenos. E a culpa não é só de "nuestros hermanos" - que, é verdade, parecem não perder uma oportunidade (como o referido caso do DVD parece demonstrar) para "apagarem" a nossa língua e a nossa identidade e para imporem as deles. E, como acontece em tantas outras situações, os abusos são mais permitidos do que impostos. E até que nem é preciso muito: a diferença está muitas vezes nos pormenores. Porquê falar em "ibérico" - como a propósito do Mercado Ibérico de Electricidade - em vez de "luso-espanhol"? Quando é que os (alguns) portugueses, em especial jornalistas de televisão, vão deixar de falar castelhano com espanhóis, em Portugal mas não só? Eles percebem-nos! O problema não estava tanto em que José António Camacho, espanhol, então treinador do Benfica, falasse castelhano em Portugal; o problema estava mais em que Carlos Queirós, português, então treinador do Real Madrid, não falasse português em Espanha (e Luís Figo, e Ronaldo, e Roberto Carlos...)
Afinal, o que pode e deve ser feito nesta matéria? Que entidades podem e devem intervir? O Presidente da República Portugal? Jorge Sampaio, primeira figura do Estado, deveria ser dos primeiros a dar o exemplo na utilização da sua língua nas viagens ao estrangeiro que efectua e nas cimeiras internacionais em que participa. Em vez disso, é frequente ouvi-lo falar em inglês e em francês... e, pior do que isso, em castelhano. E depois ainda há quem se escandalize por continuar a haver tantos estrangeiros que pensam que Portugal é mais uma das regiões de Espanha... Este mau hábito - que, é certo, não é só de agora, e que tem sido "partilhado" por muitas outras pessoas (António Guterres era outro "notório" praticante) - não só é ridículo como é também denunciador de uma certa hipocrisia: sempre a apregoarem a necessidade de defender a língua e a cultura portuguesas, acabam por, na prática, serem dos primeiros a colaborarem para o seu enfraquecimento. No fundo, é o perene fascínio pelo que é estrangeiro... Bem pode a presidente do Instituto Camões tentar definir e concretizar estratégias de difusão e de valorização do português no Mundo... Com "patronos" destes a darem maus exemplos, a "meterem golos na própria baliza" e a darem "tiros nos próprios pés" constantemente, para quê dar-se ao trabalho?
As incongruências na utilização do português também acontecem no espaço da lusofonia. Veja-se o que aconteceu com a TVI. No início de 2004 o canal de televisão dirigido por José Eduardo Moniz deu grande destaque à compra e exibição no Brasil, por parte da TV Bandeirantes, de algumas das suas novelas e séries de televisão, em especial "Olhos de Água" e "Olá Pai". A "Quatro" "embandeirou em arco", pode mesmo dizer-se. De facto, estar-se-ia perante um momento de viragem algo "histórico", uma inversão na tendência até hoje dominante - a da "invasão" de Portugal por telenovelas brasileiras. Afinal, algum tempo depois, soube-se que havia um (grande) "mas": as "exportações" da TVI iriam ser dobradas... em "português do Brasil". Motivo? "Os portugueses falam excessivamente rápido e juntam o final das palavras com a seguinte, o que dificulta o entendimento." Em que ficamos? É assim que se promove a "reciprocidade", o "intercâmbio de culturas", a "aproximação de povos irmãos"... eliminando as diferenças que supostamente - é o que estão sempre a dizer - nos enriquecem? Isto não é um incentivo à comunicação... é um convite à preguiça! Compare-se com o que aconteceu no nosso país quando "Gabriela" começou a ser transmitida: não se fez dobragem, e, progressivamente, adaptámo-nos, habituámo-nos ao sotaque. E no início não era assim tão fácil entender tudo o que os actores brasileiros diziam...
Ao mesmo tempo, adoptamos cada vez mais anglicismos, nomeadamente os relativos às novas tecnologias. Aliás, já escrevi e publiquei - em Junho de 2002 na revista Comunicações - um artigo sobre este tema. Permitam-me reproduzir agora uma parte:
"O que contesto é o uso - e abuso - do inglês por parte de portugueses que se dirigem, principalmente, a… portugueses. O que pode explicar esta influência do idioma da ‘Velha Albion’? Uma forma de facilitar e promover a internacionalização? Não me parece. Exceptuando a Altitude e algumas companhias que se especializaram em software para telefonia móvel, os mercados estrangeiros que têm constituído destinos preferenciais dos investimentos das empresas nacionais do sector são os de língua portuguesa ou latinos. Podíamos até ‘glosar’ uma recente campanha publicitária da Oni que refere ‘os sete pecados banais das empresas’ para explicar esta ‘invasão de inglesismos’: não será tanto por (falta de) orgulho e de certeza não por raiva (à nossa língua) mas mais por preguiça. E não só. Sejamos sinceros: o motivo principal desta ‘anglicite aguda’ é a procura de uma imagem de qualidade, de fiabilidade, de credibilidade, que nos habituámos a associar a tudo o que tem um nome em inglês - e, por oposição, a considerar potencialmente inferior e mesmo ‘chunga’ o que é apresentado na nossa língua. Afinal, ainda ‘fica bem’ comprar estrangeiro e falar estrangeiro, não é verdade? Era o próprio presidente do ICEP, Luís Neto, a admitir os factos, em entrevistas concedidas ao Jornal de Negócios (28 de Fevereiro) e ao Expresso (2 de Março): ‘O nome Portugal ainda retira valor a alguns produtos portugueses. (…) Portugal continua a ter uma imagem no estrangeiro de um país com alguma qualidade de serviço mas (…) sem afirmação de marcas, sem certificação de qualidade, sem mão de obra especializada, sem design e inovação.’ ‘Existe um gap muito grande entre aquilo que Portugal é do ponto de vista sócio-económico e aquilo que é percebido (no estrangeiro).’ Assim, mais do que eliminar esse… gap (distância, espaço) e ‘reposicionar a imagem de Portugal’ no exterior, é urgente começar por trabalhar a nossa auto-estima do ponto de vista linguístico e cultural. Se não utilizarmos de uma maneira coerente e consistente o nosso idioma cá dentro, poucas ou nenhumas hipóteses teremos de verdadeiramente competir e ganhar lá fora. Ou então assumamos clara e definitivamente que temos vergonha de sermos portugueses, e mudemos todos de nacionalidade!"No fundo, é tudo uma questão de orgulho e de respeito por nós próprios e pela nossa língua... ou de falta de um e de outro. Mas porque é que isso haveria de acontecer? Em 2002, um estudo da UNESCO afirmava que o português era (é) a sexta língua mais falada no Mundo, atrás do mandarim, hindi, castelhano, inglês e bengali... de um total de mais de 6700. Não nos saímos assim tão mal, pois não?
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